Subscrevo na íntegra o que o Miguel de Sousa Tavares escreve, que devemos todos ler!
Afinal todos os portugueses vão ser "metidos ao barulho".
Até "eles"! ... só que, antes, metem uns milhares ao bolso...
EXPRESSO - ( Edição 1788 )
À medida que os estudos sobre a Ota vão sendo feitos e que mais e mais vou lendo sobre o assunto, as minhas dúvidas vão-se progressivamente dissipando. Receio que estejamos na iminência do maior embuste jamais vendido aos portugueses
O Governo agradece que o país ande tão entretido a discutir o aborto e que tudo o resto lhe passe, entretanto, ao lado. Neste resto, inclui-se o aeroporto da Ota, que lá vai fazendo o seu caminho através dos estudos preparatórios e da promoção junto da opinião pública, confiada a uma conhecida agência especializada em campanhas políticas e defesa da imagem de empresas públicas ou semi-públicas mal geridas. No final, a ideia é apresentar-nos a Ota como necessidade vital e facto consumado.
É preciso, pois, que os portugueses percebam, enquanto ainda é tempo, o que nos estão a preparar. A Ota é um projecto ruinoso, errado e prejudicial, sobretudo para Lisboa e para os utentes do seu aeroporto. Nem Lisboa nem Portugal precisam de um novo e gigantesco aeroporto. Precisam, quanto muito, apenas de um aeroporto alternativo, pequeno e barato, para as «low cost» - de forma a desanuviar a Portela e deixá-la simplesmente para as companhias regulares, assim assegurando, por exemplo, a sobrevivência da TAP face à concorrência imbatível das «low cost». É isto que se está a fazer em Espanha, em França, na Alemanha, na Inglaterra, países onde os grandes aeroportos 'regulares' têm um movimento muito para além daquilo que a supostamente 'saturada' Portela jamais teve ou terá.
A construção da Ota juntamente com o TGV vai liquidar as ligações aéreas Porto-Lisboa e Lisboa-Madrid, que representam actualmente 12% do movimento da Portela. Vai retirar de Lisboa turistas e viajantes de negócios. Vai pôr a capital uma hora mais longe da Europa e do mundo. Vai dificultar a vida a todos os passageiros de Lisboa e do Porto. E vai, fatalmente, custar uma fortuna incalculável ao país - que o Governo disfarçará, através da privatização da ANA e das receitas do novo aeroporto e do de Faro (os únicos rentáveis), de que o Estado vai abdicar a favor dos privados durante gerações, para assim se poder enganar os tolos dizendo que praticamente não há custos públicos envolvidos.
O 'Relatório Final da Análise de Terraplenagens', encomendado à empresa de construção californiana Parsons, actualmente com grandes obras em curso no Iraque. São 59 páginas de 'engenharia pesada' para um leigo na matéria, como eu. Mas, avançando devagar e em esforço, é possível reter as principais conclusões.
Já se sabia que o futuro aeroporto da Ota tem um 'problemazinho' com a existência de uma serra com 660 metros de altura a norte do enfiamento da pista principal - o que só consente duas soluções: ou se arrasa a serra ou se põe os aviões a fazer manobras escapatórias assim que levantem do chão. Já se sabia que, em termos de segurança de voo na aproximação às pistas, a Ota, devido aos ventos dominantes e outras condicionantes, irá ter fatalmente uma baixa classificação de segurança, em contraste com a Portela, que tem uma excelente certificação internacional. Agora, através do relatório da Parsons, ficamos a saber outras coisas sobre a Ota. Por exemplo, que "a área do novo aeroporto se situa numa região de forte risco sísmico, na Zona A do zoneamento sísmico nacional (falha do Vale Interior do Tejo)". Por exemplo, que será necessário desmatar 1100 hectares de terreno arborizado e remover biliões de metros cúbicos de terras. Bem pior, que o terreno é todo ele alagadiço e atravessado por três ribeiras (uma das quais terá de ser desviada), o que leva os engenheiros a afirmar que "pelas suas características geomecânicas desfavoráveis e condições hidrológicas associadas, é particularmente condicionante do tipo de ocupação prevista, delimitando a sua ocorrência zona de risco e exigindo a adopção de disposições de estabilização". Acontece, de facto, que, para azar dos obreiristas, os terrenos da Ota são integralmente compostos por areia, argilas e lamas, fazendo prever que, após as obras de terraplenagem, "o tempo de consolidação, sem contar com o factor sísmico, possa variar entre 25 e 110 anos". Mas, há solução: os engenheiros chamam-lhe "colunas de brita" - é cara, complicada e vai durar, só ela, dois anos e meio.
E assim vai a Ota. Quando comecei a seguir de perto a questão, a minha grande dúvida era saber se Lisboa e o país precisavam realmente de um novo aeroporto ou se estávamos perante um gigantesco negócio de favor, em benefício de poucos e com prejuízo de todos. À medida que os estudos vão sendo feitos e que mais e mais vou lendo sobre o assunto, as minhas dúvidas vão-se progressivamente dissipando. Receio que estejamos na iminência do maior embuste jamais vendido aos portugueses.
Oxalá eu esteja enganado!
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16/02/2007